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A falta de comunicação pode custar uma vida

sexta-feira, maio 24, 2013


Esta é a história de Clara. Uma história triste que não é real. Ou será?

Clara foi a única surda entre quatro irmãos. Nasceu numa época muito antes de alguém saber o que era Libras. Seus pais não sabiam o que fazer. Na escola ela era proibida de usar suas mãos para se comunicar com seus dois amigos surdos. Os irmãos tinham vergonha, pois ela tentava falar e emitia uns sons estranhos. Eles a chamavam de retardada.
Sua professora muitas vezes amarrou suas mãos como castigo para obrigá-la a falar.  Apesar das dificuldades, Clara foi alfabetizada e aprendeu a ler. Fez faculdade de teologia e arranjou um namorado também surdo.
Sua família se distanciou cada vez mais. Achavam ótimo quando ela encontrava seus amigos surdos, só assim não envergonhava a família com seus apelos tentando se comunicar.
Clara e Alberto se casaram. O padre da cidade conhecia ambos e se comunicava por sinais ainda não padronizados.
Clara e Alberto tiveram 3 filhos. Todos ouvintes. Mas eles cresceram bilíngues, pois conviveram com pais surdos desde o nascimento.
Seus filhos nunca tiveram vergonha dos pais surdos. Clara trabalhava na escola das crianças como merendeira, pois cozinhava muito bem. Na escola das crianças havia mais quatro alunos surdos e Clara dava aulas de reforço para eles.
O tempo passou... Em 2002 Libras foi reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil. Os filhos de Clara já eram crescidos. Tinham cursado faculdade e foram buscar uma vida profissional melhor na capital.
Clara e Alberto continuaram a morar no interior. Os alunos a quem ela dava aulas de reforço também cresceram e foram atrás de seus sonhos.
Clara e Alberto eram muito unidos.
Vieram os netos e o primeiro era surdo. Sua nora não aceitava que o pequeno Pedro fosse surdo e queria implantá-lo. Já Samuel, filho de Clara era contra. A separação foi inevitável e Samuel ficou com a guarda de Pedro, já que Beatriz (mãe de Pedro) o culpava pelo filho surdo.
Pedro cresceu bilíngue com a ajuda de Clara. Frequentou bons fonoaudiólogos e foi oralizado. Aos dezessete anos foi fazer intercâmbio em outro país.
Um dia, Alberto morreu. Chegara sua hora.
Todos os filhos morando longe, Clara não sabia o que fazer. Ninguém a entendia. Alberto tinha sofrido um infarto. Ela sabia que poderia fazer algo se o socorresse a tempo. Tentou ligar para seus filhos. Mas ela não escutava. Tentou enviar torpedos. Mas eles sempre demoravam para responder. Foi à casa da vizinha, mas esta estava trabalhando. Chegou meia hora depois e ajudou Clara a chamar a emergência. Clara foi com a ambulância acompanhar o marido que ainda respirava. No hospital ninguém a entendia. Ninguém sabia se Alberto tomava algum remédio, se havia passado bem na noite anterior, se ele era hipertenso, diabético... NADA!!! O socorro foi demorado e Alberto não resistiu...
Clara sentiu-se muito sozinha. Vizinhos a ajudaram nos preparativos do velório. A esta altura, seus filhos já sabiam da morte do pai e estavam a caminho.

Durante o velório, seu semblante era sereno, mas muito angustiado. Muitas pessoas compareceram ao velório, mas nenhuma delas sabia Libras para conversar com Clara, oferecer o ombro para chorar. Seus filhos estavam presentes, mas esqueceram a Libras pela falta de prática. Moravam longe, cada uma tinha sua vida.
Horas antes de lacrarem o caixão, seu neto Pedro chega e vai ao encontro da avó. Ela o abraça como se ele fosse a última pessoa do mundo. Pedro sabia Libras. Fora alfabetizado por ela e era surdo. Tinha ido morar no exterior, mas trabalhava com surdos. Não esquecera a língua de sinais.
Clara pôde relatar a Pedro toda sua dor de perder seu companheiro, seu amigo.  Contar o que havia acontecido. A demora no socorro e o fato de não haver uma pessoa capacitada em Libras no hospital, custou a vida de Alberto. Pedro revoltou-se. Mas não havia nada que pudesse fazer. Seu avô já estava morto.
Nos dias após o velório, Clara ficou em companhia de seu neto Pedro. Ele tinha vindo para ficar uma semana ao lado da avó. Eram tantas coisas para conversarem, que a presença de Pedro fazia muito bem à Clara. Ele preenchia a lacuna que Alberto tinha deixado.
Mas chegou a hora de partir.  Pedro precisava retornar à sua vida.
Clara ficou sozinha. Continuou seus trabalhos na escola. Alfabetizava crianças surdas e lutava pelos direitos dos surdos. Não se conformava com tantas crianças surdas sendo implantadas se havia a língua de sinais.
Quando chegava em casa à noite. Clara se perdia em seus pensamentos. Não havia TV para assistir, rádio para escutar, alguém para conversar... Que falta fazia Alberto...

O tempo passou e Clara foi ficando cada vez mais triste. Ela tinha avisado à escola que iria tirar uma semana de folga para arrumar a casa e se desfazer dos pertences de Alberto.
O padre notou sua ausência à missa de domingo. Clara nunca faltava.
Depois da missa, o padre e outros voluntários da igreja foram até à casa de Clara saber o que havia acontecido com ela. Clara estava morta. Havia dias que estava morta, pois o ambiente cheirava mal. Clara teve um infarto. Mas as pessoas ao redor da vizinhança acostumadas com o silêncio de sua casa, nem se importaram em saber se estava tudo bem. Quando Clara passou mal, ninguém ouviu seus apelos. Ela tentou chamar o SAMU, mas eles não tem serviço de SMS. Como não ouviam sua voz do outro lado, acharam que era trote. Mas ela ligou várias vezes. Estava registrado no detector de chamadas do SAMU. Constataram depois. Mas e daí? Clara estava morta.
Esta não é uma história real. Ontem uma amiga minha perdeu sua mãe e fiquei imaginando se ela fosse surda. Esta amiga não é casada. Eu viajei na minha imaginação e essa história saiu. A falta de comunicação pode custar uma vida!!! Compartilhe.

Libras é a segunda Língua Oficial do Brasil conforme Lei nº 10.436/02 e Decreto 5.626/05. #SINALIZAR É PRECISO#

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